Suavidade na música e no ambiente. Um aroma de flores
peculiar. Entre um murmúrio daqui e rostos expressivos dali habitava Lucy.
Em sua imobilidade via-se um corpo sucumbido. Era a finada
que deixara a fortuna para um único filho que a desprezara em toda sua estada
terrestre. A separação dos corpos já se dera em vida e nada havia o que chorar.
Quem sabe até comemorar, quiçá.
Os humanos comemoram a morte de uma forma tão banal e quem
vai deixa para o outro algo que o fará deleitar-se em luxúria e prazer.
O filho, em seu traje impecável e lúgubre, ocupava a posição
de destaque enquanto as mãos o cumprimentavam em gestos solidários e os olhares
abatidos pareciam sentir a sua dor. Mas todos sabiam que não havia dor, havia
prazer.
Mais cedo tinha em suas mãos o coração de sua riqueza para
desfrutar. Lucy o observava em seu
leito, imóvel – afinal os mortos não podem se deslocar. Por que criara um
monstro afortunado?
Novamente a fragrância lhe levava a lembrança do que se acabara,
ali, em seu último adeus. O corpo tão reconstruído ficaria para a decomposição.
Lucy ansiava por uma nova oportunidade de deixar outra
herança para seu único fruto tão apodrecido quanto ela, talvez a bondade, o
amor e um pouco de humanidade. Trocaria a sua fortuna por uma nova
possibilidade, mas era tarde demais. O último filete de luz trouxe-lhe a
escuridão e a quase certeza de que o
rebento deixaria ainda mais da mesma herança para os seus próprios filhos,
afinal não aprendera o verdadeiro valor da vida.
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