domingo, 3 de agosto de 2014

Velório



Suavidade na música e no ambiente. Um aroma de flores peculiar. Entre um murmúrio daqui e rostos expressivos dali habitava Lucy.

Em sua imobilidade via-se um corpo sucumbido. Era a finada que deixara a fortuna para um único filho que a desprezara em toda sua estada terrestre. A separação dos corpos já se dera em vida e nada havia o que chorar. Quem sabe até comemorar, quiçá.


Os humanos comemoram a morte de uma forma tão banal e quem vai deixa para o outro algo que o fará deleitar-se em luxúria e prazer.

O filho, em seu traje impecável e lúgubre, ocupava a posição de destaque enquanto as mãos o cumprimentavam em gestos solidários e os olhares abatidos pareciam sentir a sua dor. Mas todos sabiam que não havia dor, havia prazer. 


Mais cedo tinha em suas mãos o coração de sua riqueza para desfrutar.  Lucy o observava em seu leito, imóvel – afinal os mortos não podem se deslocar. Por que criara um monstro  afortunado?

Novamente a fragrância lhe levava a lembrança do que se acabara, ali, em seu último adeus. O corpo tão reconstruído ficaria para a decomposição.


Lucy ansiava por uma nova oportunidade de deixar outra herança para seu único fruto tão apodrecido quanto ela, talvez a bondade, o amor e um pouco de humanidade. Trocaria a sua fortuna por uma nova possibilidade, mas era tarde demais. O último filete de luz trouxe-lhe a escuridão  e a quase certeza de que o rebento deixaria ainda mais da mesma herança para os seus próprios filhos, afinal não aprendera o verdadeiro valor da vida.

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