quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

MENSAGEIRO


No alvorecer, a vida parece retornar da escuridão. Enquanto os pássaros prenunciam a primeira claridade, o mundo move-se; enquanto a vida passa, o mundo gira. O dia e a noite não conseguem marcar encontro. Há luta pela sobrevivência.

Ele, que não faz essa distinção entre a sombra e o brilho, perambula por aí. Ser de feições intrigantes, não se importa com a aparência, mas da aparência sobrevém-lhe a impressão dos outros, de si mesmo e daquele que circunda. Quando a chuva cai em gotículas transparentes, inunda, aos poucos, o pequeno universo. Molha o suficiente, outras vezes encharca. O pensamento escoa pela vala rasa, a mensagem quase se perde entre a água e a sensibilidade que aflora em poros úmidos e veias latejantes, olhos esbugalhados, gritos altissonantes; é um coral que acaba de se formar, vozes únicas que vibram até o romper das cordas vocais. A continuidade é inevitável.

O mensageiro move-se lentamente, parece insensível aos acontecimentos, porém atento, como se procurasse algo ou alguém, quiçá o destinatário. A organização se desfaz em partículas de desespero, nem mesmo Augusto dos Anjos descreveria com precisão o cheiro repugnante da decomposição. Além dos corpos flutuantes, faces ocultas. A natureza se retorce em ousadia, revolta-se contra os desfavorecidos, indigna-se e chora. Os desfavorecidos são todos.

Há história para ser contada, há notícia, há boatos, há milhões de dólares. Não há vida!

O vazio humano é insuficiente, esqueceu-se de si mesmo, esqueceu-se de plantar a semente da benevolência, da humanidade, a erva daninha do egoísmo e da mesquinhez corrompeu-lhe a alma, tomou-lhe a única chance.

O tempo não é mais o tempo em minutos, os segundos se eternizam em séculos enquanto o sangue escorre em forma de queda d’água; aqui e lá a irracionalidade se populariza. Não se pode beber sangue.

Um coração sincero é o que busca o mensageiro, um ser que mereça a chance da continuidade. Entre os continentes o alvoroço se dissemina, à medida que os seres querem ser humanos a filantropia despeja a gota derradeira da credibilidade.

- Diga-lhes que o número é insuficiente.

- Vasculhei, procurei incansavelmente.

- Há esperança de um coração puro, que se renda ao zelo do amor e da doação. Que não se destrua e não devaste a fonte de energia da sua sobrevivência.

- Por sua insistência, por mais um tempo esperarei.



E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Apocalipse 21-1

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