quarta-feira, 7 de julho de 2010

Lucipotente

“E disse Deus: Haja luz; e houve luz.


E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.”

Imagine um cômodo negro de um escuro sólido, quase impenetrável.

Não há mobília, não há aonde recostar-se; apenas paredes, teto e chão.

Você se move lentamente, não sabe se está sob o teto ou vaga incerto como se pudesse escalar as paredes invisíveis: é o escuro, quase transparente.

O corpo é o objeto que corta o silêncio da monotonia, os neurônios se confundem entre o real e o imaginário. O tempo aguça o olfato e a audição. E a fedentina chega a ouvir os gotas podres que caem em algum lugar que não se pode avistar. Sente os pés levemente molhados, como se cada gota percorresse uma rota traçada para chegar a eles e infernizá-los com as moléstias que a umidade causa. Não suporta ouvir o estrondo do silêncio, rasga-lhe a membrana que constitui os tímpanos. Apalpa o nada, a melancolia escorre nas paredes e se funde com as gotas que causam feridas. Dói-lhe viver.

Deixa-se inundar horizontalmente no rio da insanidade e evoca uma imagem de um amor que nunca conheceu. Não sabe, mas é o resultado da imundície urbana que o levou. Levou sua alma, sua vida. É mais um prisioneiro da sociedade, que se decompõe na solitária. Solitária é sua existência.

A luz que regenera quiçá nunca o alcance. Se eu pudesse produzir uma pequena fresta, um sinal de luminosidade lucipotente poderia transformar a hostilidade deste cenário, mas eu não posso fazer isto, não sozinha. Eu preciso da ajuda desta humanidade mal cheirosa, eu preciso separar a luz das trevas e mostrar, de alguma forma, que a decomposição não se completou ainda.

... Não vamos enterrar os vivos!

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